Amílcar Vs Rafaela Vanessa

O grande amor da vida do Amílcar, a sua filha Rafaela Vanessa, está a ficar grandinha. Apesar de tão crescida e espigadota, e de todo o propalado amor, o Amílcar nunca trocou um jogo de dominó por cinco minutos com a Rafaela.

“A minha Rafaela é a filha mais linda do mundo. Marca aí quinze pontos para mim”
“A miúda está bem. Está em casa com o cão.”

Mas a nossa Rafinha, como já foi dito, estava espigadota. Tinha um perfil no hi5 com o sugestivo nome de aQuElA nInAh FufinHa, que levantava muitas dúvidas. Seria a rapariga fofa, macia e cheia de tufos como algodão em rama ou seria uma lésbica deslavada que usava os sapatos do pai?
Sempre atenta e perspicaz, a nossa menina fufinha, aliás, fofinha, esclarecia tudo numa breve descrição de si própria:

“olaah u meu nome e rafaela ,tenhu 18 anox, xou mt feliz cm a minha familia e cm us meus amigox......xau ate mais.”

Certo. Todos entendemos que a Rafinha herdou o prodigioso cérebro do pai. Não foi só a beleza e o bigode. E continuava na sua descrição:

“Filmes favoritos
K muxica pk goxto de ouvir cantar!

Shows de TV favoritos
mtv, mcm, tvi

Livros favoritos
n tenho n goxto d ler

Citação favorita
n me alembro”

Ora o Amílcar estava num dos dias em que se achava bom pai. Até porque a Céu estava fechada.

- Ó Rafaela Vanessa, quéssa fotografia tua no computador?
- Não é nada, pai. Estou a estudar.
- Ó Rafaela...
- Pai?
- Tu não me enganes que eu desgraço-me! E a seguir desgraço-te a ti! Ou ao contrário!
- Pai, não sejas careta. Esta cena é bué de fixe. Tenho aqui montes de migas.
- E as tuas amigas estão todas em cuecas a tirar fotografias com o telemóvel?! Eu vou-me desgraçar, ai vou! Olha que eu estive em África!

A Rafaela tremia. Já sabia que a esperava uma surra um dia que o pai se entornasse um pouco mais que o costume.

- Ó Rafaela, e quem é essa outra também quase nua?
- Não sei, pai. Adicionou-me como amiga.
- Adi...quê? Chega para lá. Como é que se vê esta pouca vergonha? Mostra lá as fotografias para ver se eu a conheço.
- Pai...

Os olhos do Amílcar ficaram esbugalhados e exclamou em tom autoritário:

- Sai daqui do quarto que quero ficar sozinho. Vou, vou...vou conferir para ver se não te tiro o computador.
- Mas Pai...
- Nem mas nem meio mas! E fecha a porta do quarto! Só voltas quando eu chamar.

Bem jeitositas, estas amigas, pensou o Amílcar enquanto ia alegremente clicando com ar de intelectual num bar de strip.





Amílcar Vs IURD

O Amílcar já tinha ouvido falar deles. A sua mulher já lhe tinha falado neles. A sua filha já tinha andado enrolada com um deles. Sendo assim...porque não?

Pegou no folheto que lhe tinham deixado na caixa do correio onde se lia “Trazei todos os dízimos à casa do Tesouro, para que haja mantimento na minha casa; e provai-me nisso, diz o Senhor dos Exércitos, se eu não vos abrirei as janelas dos céus”.

Ora o Amílcar nem sequer era lá muito religioso mas era medricas. Muito medricas. Extremamente medricas embora costumasse bradar aos quatro ventos na tasca da esquina:

Eu estive em África! Tenho lá medo de alguma coisa. Ó Céu, mais uma mine!

Lembrou-se, de repente, que poderia ser esta a Céu a que o panfleto se referia. Já não era a primeira vez que ela o tinha deixado na rua. Não se preocupou. Viu a morada e lá se meteu a caminho do Centro Espiritual de Cacilhas.

Ao chegar lá, um cavalheiro de origem brasileira aproximou-se sorridente:

- Oi, sou o Padre Márcio.
- Qué-que-queres pá? Olha que eu não sou desses. Eu estive em África!
- Todo mundo é bem vindo. Africano, budista, prostituta...a casa do Senhor está aberta.

O Amílcar não sabia lá muito bem a que senhor é que aquele gajo mulato se estava a referir mas ouvindo falar em prostitutas, perguntou logo:

- E vinho tem?
- Mas é claro. Fazemos a celebração como Ele nos ensinou.

Cada vez o Amílcar gostava mais desse tal gajo sem nome. Vinho, putedo e um porteiro simpático. Já cá deveria ter vindo antes, o Viegas vai roer-se de inveja, pensou ele.

Quando entrou, deparou-se com pessoas a entoarem cânticos enquanto outras com um simples toque na cabeça se estatelavam no chão de forma espasmódica e a gritar por Deus. Outros gritavam aleluia.

Como estes gajos já estão...a pinga deve ser boa, pensou. Guardou o dinheiro e o cartão de sócio do Benfica no bolso da frente para não os perder e lá alinhou no grupo. Cantou, saltou, abraçou uma velha que ele achou já ser idosa demais para andar na má vida e fartou-se:

- Então e o vinho? O preto da entrada disse que havia pinga! Eu tenho dinheiro.

De imediato, outro cavalheiro (desta vez chamado Padre Nélson) aproximou-se dele com um cesto com algumas notas e moedas lá dentro.

“Olha, olha...o gajo pensou que eu lhe estava a pedir o troco. Mas eu ainda não paguei...”

Com o ar mais altivo que era capaz, levantou-se, pegou no dinheiro e desatou a correr pela porta fora gritando:

- Vão-se foder mais a merda de serviço. Desorganizados do caraças. Eu estive em África!

E foi gastar o dinheirinho do cesto na tasca da Céu.