Amílcar Vs Golias



- Céu, dá-me uma mine!, gritou o Amílcar enquanto se sentava, a resfolegar, num banco alto do balcão, permitindo assim, uma visão completa daquele maravilhoso rabo peludo para quem entrava na tasca.Os jeans manchados de tinta branca (porque é que os trolhas só se mancham com tinta branca?), e as mãos empoeiradas faziam pendant com as nódoas de tinto do almoço.

- Céu, dá-me o jornal!

- Toma lá, Micas., e entregou-lhe o JN.

- Quésta merda? Não tens A Bola?

- Olha, ó Micas, eu comprei. Eu compro sempre como tu sabes e só Deus sabe o que me custa. Mas roubam-na sempre.

- Bem..., anuiu o Amílcar contrariado.E começou a passar os olhos pelas letras grandes. O Amílcar era daquelas raras pessoas que tinham um cão mais esperto que o dono mas, mesmo ele, ficou estupefacto quando leu:


A gafe de Sócrates, que deu as boas-vindas aos imigrantes que chegam a "um país
cada vez mais pobre", foi rapidamente ultrapassada pela falha de Manuel Pinho,
que prometeu empregos em postos de trabalho já ocupados. E esta passou à
história quando Mário Lino descobriu um deserto na margem sul do Tejo. Melhor,
só mesmo Almeida Santos a antever uma acção terrorista em que uma ponte é
dinamitada para impedir os turistas de chegar a LisboaUma semana de Governo
Santana Lopes com metade dos espirros verbais desta semana socialista valia uma
dúzia de pregos na cruz do "menino guerreiro"


Finalmente, e um pouco mais confuso que o usual, chegou às páginas de desporto. E, nessa altura, exclamou contente:

- Aquilo é que foi um jogo. Uma equipa tão pequena contra outra tão grande. Parecia o Adamastor contra o Golias! *




*in tasca da Costa no jogo Estrela-Porto (citação real)

Amílcar Vs Viegas

- Vou comprar tabaco e volto já, disse o Amílcar à Ivone que, vestida com a sua bata azul de padrões floreados, contemplava extasiada os casos da TVI.
Ambos estão descansados. O Amílcar vive do fundo de desemprego há oito meses e a Ivone ganha umas massas a limpar escadas das cinco da tarde às cinco e um quarto. Todo este trabalho mais o rendimento mínimo garantido vão dando para o gasto.
O Amílcar veste os seus blue jeans verdes e a t-shirt que lhe ofereceram no trabalho: SUMA, ao serviço de Portugal.Ao descer as escadas, todo lampeiro e de risco ao lado com uma franjinha marota, encontra o cão da vizinha. Não sei bem qual a marca e modelo do cão. É pequenino, chateado com a vida, tem dentes de ratazana e gosta de rosnar por tudo e por nada. Quanto ao cão parece-me ser um Grand Danois. Um pacholas grande que não faz mal a ninguém.
- Ó Céu, dá-me um Martine com cerveja! Bem aviadinho, hã!
A Céu já tem o café há uns anos. Conseguiu-o após o acordo de divórcio com o Chico da traineira. O gajo estava cheio de guito mas gostava de dar umas por fora e pagar umas garrafas de Raposeira às meninas. De dia era a sardinha e à noite era o carapau. Carapau brasileiro, romeno e algum carapau de Chaves. Ultimamente aparecia algum carapau do Sudão, nilóticas altas e espadaúdas, mas o Amílcar exclamava logo com um ar ofendido:
- Disso não! Tenho sete filhos desses na Guiné. Vocês sabem lá o que é a vida.
O Amílcar bebe o seu martini e vai estalando os lábios em sinal de agrado. O seu grande companheiro Viegas chega e senta-se na sua mesa:
- Vai uma moeda?
- Só se for à melhor de três. Tenho a Maria à espera.
- 3
- 3
- Já pedi 3. Não podes pedir o mesmo.
- Foda-se, caralho, assim não jogo. Pedir três é à menino. Quando aprenderes a jogar fala comigo. Ó Céu! Mais um Martine e uma Mine, paga o Viegas.
- Quantas já tens?, pergunta a Céu, apontando o queixo para a mesa.
- É o segundo, Céu. Juro-te pela minha filha Rafaela que é a coisa que eu mais amo.
O Viegas contorce-se na cadeira. Coça os tomates, limpa o ouvido com a unhaca, passa pelo nariz e finaliza limpando a unha com a ponta dos dentes incisivos. Franze a testa e exclama com um ar misterioso como quem fala duma conspiração internacional:
- Então e o nosso Benfica?